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Mito nº 4 - A FEB em troca da CSN


A construção da CSN vinculada à declaração de guerra brasileira: um mito alimentado pela interpretação ideologizada da História do Brasil.

— O Brasil entrou na guerra em troca da construção da CSN!


Quantas vezes você já escutou tal “explicação” para a entrada do Brasil na II Guerra Mundial? Com algumas variações, esta versão reducionista faz parte do repertório dos livros de História de qualidade duvidosa e do discurso de educadores com formação deficiente. Contudo, ela possui fundamento? Qual é a sua origem?


Em 11 de junho de 1940, a bordo do Encouraçado Minas Gerais, a Marinha do Brasil promoveu um almoço comemorativo ao aniversário da Batalha do Riachuelo, com a presença de oficiais-generais das Forças Armadas, sendo o presidente Getúlio Vargas o convidado de honra. Logo na chegada, Vargas mostrou ao general Góes Monteiro uma cópia do discurso que faria e pediu sua opinião. Após a leitura, o militar devolveu ao presidente o texto, recomendando cautela no que seria dito, pois a França havia sido esmagada pela Alemanha há poucos dias, e suas palavras poderiam ser interpretadas como um sinal de aprovação da vitória germânica. Vargas sorriu e pediu que Góes assinalasse os pontos que não deveriam constar do seu discurso, dizendo:


— Na mesa, lerei o discurso na íntegra, para ser ouvido pelos Oficiais Generais das Forças Armadas. É necessário sacudir com força a árvore a fim de caírem as folhas secas.[1]


Todavia, o discurso foi publicado na íntegra pela imprensa, gerando uma repercussão altamente negativa no Exterior — em especial nos EUA —, sugerindo que o governo Vargas havia pendido para o lado nazifascista.


Porém, as aparências enganam. O Estado brasileiro precisava desenvolver a sua indústria de base, livrando-se da incômoda dependência do Exterior. A construção de uma indústria siderúrgica estava no cerne dessa questão, mas as tratativas estavam paradas há meses pela falta de apoio financeiro norte-americano ao projeto. Desta feita, a vitória nazista na Europa forneceu o momento histórico ideal para materializar a ambição brasileira.


O cortejo de Vargas ao Eixo não se limitou ao discurso. Dez dias depois, ele convocou sigilosamente o embaixador alemão ao Palácio Guanabara. O embaixador declarou que “o Reich estava pronto para construir a importantíssima Usina Siderúrgica que os brasileiros tanto almejavam”.[2] Os meses seguintes foram marcados pelas negociações ostensivas com os norte-americanos e secretas com os alemães. Segundo Caffery, embaixador dos EUA: “só havia duas maneiras de combater a crescente ameaça germânica: crédito de armas e acordos liberais de financiamento da usina”.[3]


Finalmente, em 26 de setembro, o Export-Import Bank resolveu financiar a usina, concedendo ao Brasil a soma total de US$ 20.000,00 — uma fortuna para a época. O empréstimo fora dado em condições altamente vantajosas para os brasileiros, com prazo de 10 anos para o pagamento e juros de apenas 4% ao ano. “Vargas recebeu telegramas congratulatórios de toda a parte do País e falou entusiasticamente do que o projeto significava para o futuro do Brasil”.[4]


O ato que formalizou o financiamento da CSN aconteceu quase dois anos antes da entrada do Brasil na guerra, em 31 de agosto de 1942. Não há, portanto, relação direta entre os dois eventos. A manobra política de Vargas destravou o apoio financeiro norte-americano, mas a interpretação errônea do seu discurso de junho de 1940, aliada à aceitação cega do conteúdo dos relatórios de inteligência norte-americanos, inspirou uma série de estudos que apontaram a “tendência fascista” inerente ao Estado Novo. Já a análise equivocada da participação brasileira no conflito, baseada num ideário politizado, fez surgir o mito de que a entrada do Brasil na guerra — e o posterior envio dos seus soldados para a Itália — teria sido uma “troca” por benesses financeiras.


A permanência desses mitos no imaginário nacional decorre, basicamente, da pesquisa deficiente das relações internacionais durante o Estado Novo, aliada à submissão do estudo da História a velhos e ultrapassados modelos interpretativos com base no conflito entre o trabalho e o capital.

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[1] COUTINHO, Lourival. O General Góes Depõe.... Rio de Janeiro: Livraria Editora Coelho Branco, 1956. p.367.

[2] McCANN, F.D. A Aliança Brasil-Estados Unidos, 1937-1945. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1995. p.158.

[3] ibid. p.161.

[4] Ibid. p.163

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