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Mito nº 3 - A Mão do Führer


"Uma ordem direta e pessoal de Hitler ao capitão Harro Schacht" a origem dos ataques de agosto de 1942: um mito presente na historiografia brasileira desde o início dos anos 1970.

A origem do mito

No início da década de 70, o episódio que lançou o Brasil de vez na guerra ganharia um novo mito. Na manhã de 8 de junho de 1971, chegou às bancas a primeira de uma série de matérias visando esclarecer este evento histórico. O jornalista Mauro Santayana, correspondente do Jornal do Brasil em Bonn, escreveu uma extensa reportagem sobre o tema: Assim foi iniciada uma Guerra, que receberia o Prêmio Esso de Reportagem naquele ano.


O responsável pelos ataques à navegação brasileira, em agosto de 1942, já havia sido indicado pelo Grande-Almirante Karl Dönitz em suas memórias: Ten Years and Twenty Days — a duração da sua prisão após o término da II GM —, publicadas em 1958. Mas faltava dar uma face ao vilão. O Jornal do Brasil publicou a matéria com uma manchete chamativa de capa: JB conta como Hitler mandou torpedear os navios brasileiros:


Foi uma ordem pessoal e direta de Hitler ao capitão Harro Schacht, comandante do submarino U-507, com base em Bordéus, que determinou o torpedeamento de seis navios mercantes brasileiros entre 15 e 18 de agosto de 1942 (...). [1]


Jornalistas e historiadores respeitados como Hélio Silva assimilaram esta versão, contribuindo para o nascimento de um mito que permearia o imaginário nacional durante décadas.


Descontente com os rumos da política brasileira após 1964, Santayana exilara-se em diferentes países — inclusive os vivendo sob a ditadura comunista, como Cuba e Checoslováquia. De forma similar ao que William Waack faria na década seguinte, ele aproveitou sua estada na Alemanha para pesquisar acerca do episódio histórico. Segundo o jornalista concluiu:


“ (...) fascistas brasileiros, obedecendo diretrizes de Berlim, propagaram na época uma campanha de desinformação, atribuindo o ataque aos norte-americanos (...) O processo de agressão (...) pretendia castigar e intimidar o Brasil pelas posições que assumiu em favor dos Aliados”.[2]


O Fato

Vista sob a ótica da historiografia militar, tal versão mostra-se fantasiosa, pois na hierarquia da Alemanha nazista Hitler jamais daria ordens diretas a um comandante de submarino — um simples Capitão-de-Corveta. As decisões do Führer eram tomadas no âmbito da Oberkommando der Wehrmacht (OKW), entre os oficiais-generais mais graduados. No que tange à guerra submarina, as ordens eram repassadas aos escalões subordinados, descendo para o Oberkommando der Marine (OKM), depois para o Comando de submarinos, em Paris, e, finalmente, para as diferentes flotilhas alemãs.


A hipótese de Hitler gerenciando a atividade da Força de Submarinos durante a guerra é tão crível quanto a de Roosevelt coordenando a ação de cada uma das milhares de embarcações norte-americanas de sua mesa em Washington.


Ao U-507 — cuja flotilha estava instalada em Lorient, e não em Bordéus — foi dada a missão de patrulhar uma área remota do Oceano Atlântico entre as Américas e o continente africano. Sua tarefa inicial, portanto, nada tinha a ver com o Brasil.

Uma entrada no diário de guerra do Comando de Submarinos, de 14 de agosto de 1942 — na véspera do ataque do U-507 ao Baependy —, é um dos muitos documentos que desmontam o mito criado pelo jornal. Ao invés de um ataque punitivo ao Brasil, coube a Harro Schacht a missão de interceptar os navios e comboios Aliados com trajeto entre Trinidad e a Cidade do Cabo.

Entrada no Diário de Guerra do Comando de Submarinos alemão, de 14 Ago 1942 (Fonte:http://www.uboatarchive.net/)

Ao contrário do que a reportagem afirma, os documentos capturados na Alemanha nazista após a guerra mostram que a diplomacia alemã não se empenhou em negar a autoria dos ataques na costa do Nordeste, mas em propalar a versão de que o U-507 agira em "legítima defesa".


O mito criado pelo jornalismo brasileiro parece ter a mesma origem do Mito nº2 - A Matilha Fantasma, misturando erroneamente os planos referentes à Operação Brasil com os ataques ocorridos em agosto de 1942. Como na obra de Waack (As Duas Faces da Glória), há uma interpretação equivocada dos arquivos militares, comum a autores não familiarizados com o tema — e, não raro, interessados em deturpar a História Militar brasileira e a ação dos seus protagonistas.


Os mitos presentes na historiografia brasileira só serão refutados a contento pela pesquisa e o estudo metódico, isentos do sensacionalismo e de deformações de cunho ideológico.

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[1] JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 8 Jun 71. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=030015_09&pasta=ano%20197&pesq=harro%20schacht

[2] Idem.

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