Mito nº 2 - A Matilha Fantasma
O Brasil atacado por uma "matilha" de submarinos em agosto de 1942: um mito que dura quase sete décadas.
Os ataques à navegação de cabotagem brasileira, ocorridos em agosto de 1942, costumam ser apresentados ao público de forma equivocada pela historiografia nacional e internacional, perpetuando o mito de que foram oriundos de uma grande operação de ataque alemã: a Operação Brasil.
A ORIGEM
Esta versão teve origem no livro História das Operações Navais dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial: A Batalha do Atlântico, do Contra-Almirante Samuel E. Morison. Lançada em 1947, a obra informa que dez submarinos alemães teriam partido dos portos da França, no começo de julho de 1942, em direção ao Atlântico Sul. Num ponto a noroeste da costa do Brasil, o grupo teria encontrado o U-boot U-460 para o ressuprimento. De acordo com o autor, “os dez submarinos então cumpriram suas missões contra a navegação brasileira".[i]
No livro A Estrutura de Defesa do Hemisfério Ocidental (The Framework of Hemisphere Defense), publicado em 1960, os autores sustentam o trabalho de Morison, afirmando que os ataques foram desfechados por uma “matilha” de submarinos alemães:
A entrada formal do Brasil na guerra seguiu-se à decisão alemã em junho de lançar um ataque concentrado de submarinos contra a navegação na costa do Nordeste. Quando uma matilha de dez submarinos afundou cinco navios brasileiros entre 14 e 17 de agosto, incluindo um transporte de tropas com severa perda de vidas, o Brasil rebateu com a declaração de guerra à Alemanha e à Itália, em 22 de agosto de 1942. [ii]
Brasilianistas respeitados como Stanley Hilton e Frank McCann endossaram as informações do Exército e da Marinha dos EUA com relação ao evento, discordando apenas quanto ao número de submarinos atacantes:
No início de julho, um grupo de oito submarinos partiu de bases na costa francesas e, um mês depois, alcançou suas posições nas águas do Nordeste. No dia 15 de agosto iniciaram operações, pondo a pique cinco navios em três dias com a perda de centenas de vidas.[iii]
O historiador brasileiro Hélio Silva abordou este episódio na obra 1942 Guerra no Continente, afirmando que Hitler modificara as instruções originais para o ataque ao Brasil:
A costa brasileira foi dividida em quadrados marítimos. Cabia a cada submarino do Reich, “fazer a limpeza” daquela área. Mas Ritter não foi informado dessas alterações. Quando teve a notícia dos torpedeamentos de embarcações de passageiros, supôs que houvera um engano por parte do comandante do submarino, ou então que o atacante fosse italiano. [iv]
A literatura dedicada à memória institucional das Forças Armadas brasileiras também oferece versões divergentes. A História da Força Aérea Brasileira, do Tenente-Brigadeiro R/R Nélson Freire Lavenére-Wanderley, confirma a versão de Morison.[v]
A Marinha do Brasil, por sua vez, publicou em 1985 a História Naval Brasileira, com a versão oficial da instituição sobre os ataques navais alemães. O capítulo A Marinha na Segunda Guerra Mundial, escrito pelos Vice-Almirantes Arthur Oscar Saldanha da Gama e Hélio Leôncio Martins, informa que o U-507 teria sido destacado de um grupo para atacar a navegação de cabotagem no mar do Nordeste:
Quando os submarinos já se encontravam no mar, Hitler, temendo que essa agressão arrastasse todos os países sul-americanos à guerra, modificou sua decisão: os dez submarinos seriam mantidos operando no Atlântico, mas somente um, o U-507, a comando do Capitão de Corveta Harro Schacht, atacaria indiscriminadamente nossa navegação de cabotagem. [vi]
O MITO ESCLARECIDO
Entre as versões mencionadas, prevalece a ideia de que os ataques submarinos na costa do Nordeste estiveram de alguma forma ligados à Operação Brasil, como parte de uma “matilha” ou “grupo” de U-boots. De todas as descrições apresentadas, qual seria a fidedigna? A resposta é simples: nenhuma.
O único submarino responsável pelo massacre nas águas nordestinas (o solitário U-507) zarpou da base naval de Kéroman, em Lorient, em 4 de julho de 1942, oito dias após o Comando de Submarinos ter recebido a ordem para abortar a Operação Brasil, em 26 de junho.
Não há, portanto, relação de causa e efeito entre os planos da grande operação de ataque aos portos e a navegação brasileira (a Operação Brasil) e os ataques efetivamente desfechados contra a navegação de cabotagem nacional em agosto de 1942.
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[i] MORISON, Samuel E. The Battle of Atlantic, September 1939 – May 1943, Vol. I of History of United States Naval Operations in World War II, New Jersey: Castle Books, 1947, p.381.
[ii] CONN, Stetson; FAIRCHILD, B. A Estrutura de Defesa do Hemisfério Ocidental. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 2000, pp. 323-324.
[iii] HILTON, Stanley. Oswaldo Aranha: uma biografia, RJ: Objetiva, 1994, p.398.
[iv] SILVA, Hélio. 1942 Guerra no Continente, O Ciclo Vargas – Vol. XII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972, p.384. Hélio Silva cita como referência a reportagem de Mauro Santayana no Jornal do Brasil.
[v] LAVANÉRE-WANDERLEY, Nélson F. História da Força Aérea Brasileira. RJ: Editora Gráfica Brasileira, 1975, p. 258.
[vi] SALDANHA DA GAMA, A. O.; Martins, H. L. A Marinha na Segunda Guerra Mundial, História Naval Brasileira. RJ: Serviço de Documentação da Marinha, Vol. Quinto,Tomo II, 1985, p. 347.