A origem do mito
Poucos meses após o término da II Guerra Mundial na Europa, teve início o Julgamento de Nuremberg, com o objetivo de julgar as autoridades militares e civis dos países do Eixo acusadas de crimes de guerra.
A conduta da Promotoria durante o processo foi duramente criticada pela imprensa da época, pois houve o risco de que alguns crimes de guerra ficassem sem punição aos responsáveis, dada a fragilidade e as contradições do libelo acusatório.
O ataque aos navios mercantes e brasileiros, em agosto de 1942, foi um exemplo desse quadro.
A promotoria jogou suas fichas na acusação do Almirante Erich Raeder, ex-comandante da Kriegsmarine, por ter encaminhado a Hitler os planos da "Operação Brasil". Imaginavam os acusadores que os ataques no litoral do Nordeste tivessem origem na iniciativa do almirante alemão.
Raeder simplesmente afirmou que a ação fora cancelada alguns dias após ter sido ordenada — algo que poderia ter sido visto pelos advogados de acusação caso tivessem sido estudados meticulosamente os diário de guerra da OKW e da OKM (Alto-Comando da Wermacht e da Kriegsmarine, respectivamente).
A Promotoria chegou a um beco sem saída. Como imputar ao réu algo que não aconteceu?
Sem representação em Nuremberg ou na conferência de paz, restou aos brasileiros acompanhar de longe o andamento do julgamento pelas agências internacionais de notícias.
Teve origem nessa época o mito de que Hitler ordenara o ataque aos navios brasileiros, inclusive os no fatídico agosto de 1942.
Publicado em janeiro de 1947, o livro A Batalha do Atlântico, de Samuel Eliot Morison, incorreu no mesmo erro da Promotoria de Nuremberg, julgando que os ataques no litoral nordestino tivessem sido provocados por uma matilha de dez submarnos alemães.
Nas décadas seguintes, esta versão foi reproduzida com ligeiras modificações, atribuindo a investida contra a navegação de cabotagem brasileira — direta ou indiretamente — aos planos da "Operação Brasil".
Em 1982, veio ao Brasil o renomado historiador naval alemão Jürge Rohwer, biógrafo do Almirante Karl Dönitz. Rohwer proferiu uma palestra na Escola de Guerra Naval, onde sepultou definitivamente a versão equivocada em vigor, apresentando um esboço no qual representou as localizações aproximadas dos submarinos alemães e italianos, em agosto de 1942, durante a ação do Capitão-de-Corveta Harro Schacht. O U-507 agiu como um "lobo solitário".
Dos anos 80 para cá, ao invés de ser esclarecido, o episódio que motivou a entrada brasileira na guerra foi sendo cada vez mais imerso em teorias conspiratórias com forte viés ideológico.
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Jürgen Rohwer,"Operações Navais da Alemanha no Litoral do Brasil durante a II GM", Revista Navigator nº18 jan./dez. 1982.