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Narciso às avessas

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Complexo de Vira-Latas - Segundo Nélson Rodrigues, o brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem, e não encontra um pretexto histórico para a autoestima.

Nesta semana, no dia 21 de fevereiro, comemoraremos os 70 anos da vitória da Força Expedicionária Brasileira no Monte Castello, durante a Segunda Grande Guerra.

A bem dizer, “comemoraremos” é uma força de expressão. No Brasil, excetuando-se as cerimônias no interior dos quartéis, prestigiadas por um punhado de reencenadores civis patriotas, em suas fardas e viaturas particulares da época, a data costuma ser lembrada apenas em notas discretas nos rodapés de alguns jornais e revistas — isso com sorte.

Mesmo no famoso Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, no Aterro do Flamengo, a presença de autoridades civis é uma raridade nesta data especial. Por sinal, a última visita presidencial ao monumento aconteceu no século anterior. Tal quadro contrasta com a mesma cerimônia, feita em território italiano, no sopé do Monte Castello, com a presença de prefeitos e demais autoridades militares e civis de Roma e da região.

No meio universitário e editorial, a situação não é diferente. No campo econômico, embora a participação brasileira no conflito tenha sido mais relevante que a Declaração de Independência ou a Proclamação da República para o futuro do país, ela recebe um tratamento incompatível com o seu valor. Os raros trabalhos acadêmicos e livros sobre o Brasil na guerra, publicados nos últimos meses, representam uma gota d’água no oceano de obras sobre o aniversário de 50 anos do início do regime militar.

Os poucos trabalhos lançados sobre o tema parecem ser insuficientes para mudar este quadro. Nem mesmo os testemunhos do Presidente Roosevelt e dos Secretários de Estado Cordell Hull e Edward Stettinius, sobre a importância da declaração de guerra brasileira para a virada da maré da guerra a favor dos Aliados, são capazes de convencer os incrédulos acerca do papel de destaque do Brasil no conflito. Quando tais discrepâncias entram em discussão, apela-se para o velho chavão: “O brasileiro não tem memória”. Será mesmo esta a verdadeira causa?

No final da década de 50, o grande dramaturgo Nélson Rodrigues, profundo conhecedor da alma brasileira, chamou esse fenômeno de “complexo de vira-latas”: uma espécie de atavismo cultural.

Por “complexo de vira-latas” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol.[1] Ainda segundo Rodrigues, “o brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima”.[2]

Cabe lembrar que a trajetória da FEB não é a única vítima deste processo. A ela juntam-se outros episódios notáveis da nossa história — a militar em especial — vistos quase sempre com pessimismo. O brasilianista Stuart Schwartz identificou este viés:

O pessimismo, no Brasil, é mais profundo do que se pensa. Fora dos momentos obrigatórios, há muito tempo o brasileiro deixou de ser otimista. Comparando os historiadores brasileiros com os americanos, por exemplo, nota-se uma diferença. O pesquisador americano procura no passado o que deu certo na sua História. Já o historiador brasileiro busca o que deu errado. Não quer estudar o que aconteceu de bom e de ruim, mas mostrar por que o Brasil nunca funcionou bem. Para ele, a independência não foi uma independência de verdade. A república também não é uma república. Os liberais não eram liberais, o progresso não era progresso e assim por diante. Isso vai além de qualquer discussão séria sobre os problemas reais do Brasil. É um modo pessimista de ver o país, definido, a priori, como um lugar onde nada dá certo. [3]

Nélson Rodrigues e Stuart Schwartz diagnosticaram corretamente os sintomas, mas não souberam — ou não quiseram — apontar a origem: a contínua e eficaz doutrinação gramsciana na Escola, sempre disposta a suprimir, reduzir, ou distorcer a narrativa do nosso verdadeiro passado.

A grande verdade é que o brasileiro médio, doutrinado nos bancos escolares, não conhece e não valoriza a sua própria história porque não enxerga nela motivo de orgulho. No cerne dessa questão encontra-se o modelo predominante na historiografia, subordinado aos interesses da militância política, no qual o valor de um evento histórico não provém da sua relevância, mas da sua carga ideológica.

Infelizmente, mesmo os que se dão conta desse processo educacional, agindo sobre os filhos na Escola, estão pouco dispostos a confrontá-lo. A reação comum não passa da aceitação bovina — e, porque não dizer, covarde. Essa atitude passiva não é digna da memória dos nossos pracinhas ou da de tantos outros personagens de destaque da nossa história.

No passado, a FEB lutou e venceu o inimigo nazifascista no campo de batalha. No presente, a luta consiste em preservar a sua memória da traça ideológica totalitária. A luta agora é nossa, contra o “complexo de vira-latas” e os seus comparsas. Isso é o mínimo a ser feito para honrar os homens que lutaram e morreram para conquistar o Monte Castello.

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[1] http://www.releituras.com/nelsonr_viralatas.asp

[2] Humberto Mariotti. O Complexo de Inferioridade do Brasileiro Instituto de Pesquisa BSP.

[3] Stuart Schwartz. Brasilianista da Universidade de Yale, nos EUA, estudioso da realidade brasileira, em entrevista à revista Veja de 21 de abril de 1999.

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