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"O Brasil saberá esperar"

Motivo de chacota - Charge da imprensa norte-americana, em agosto de 1937, ironizando a pretensão brasileira de arrendar seis velhos contratorpedeiros dos EUA (Library of Congress)

Em 1937, com o agravamento da crise europeia, o Governo Vargas resolveu fortalecer os meios da sua desgastada Marinha de Guerra. Sobretudo, a proximidade de um novo conflito mundial impunha garantir a segurança da imensa faixa de litoral brasileira, equilibrando o poderio bélico nacional com o dos seus vizinhos. A diferença entre a Força naval brasileira (54.726 t) e a das demais potências sul-americanas era evidente. A Argentina, com uma extensão territorial, fronteiras marítimas e população inferiores, possuía uma Marinha de Guerra com quase o dobro do tamanho da brasileira (100.021 t). Até a Marinha de Guerra do Chile era superior (74.266 t). (Veja o quadro comparativo entre as principais Armadas sul-americanas).

Sem possuir uma indústria naval capaz de prover os meios necessários, restava buscar no exterior as novas unidades. Todavia, faltava um elemento fundamental: dinheiro. Com o País na bancarrota (o Brasil declarou a moratória do pagamento da sua dívida externa por duas vezes nos anos 30) era preciso buscar soluções alternativas. Decidiu-se optar pela alternativa mais econômica possível: tomar emprestado velhas unidades navais fora de serviço.


O Ministro da Fazenda Souza Costa foi enviado aos Estados Unidos no início de julho, chefiando uma missão financeira com o intuito de incentivar as relações comerciais entre os dois países (Foto 1 - Na Casa Branca, em primeiro plano, o Ministro Souza, o Ministro Oswaldo Aranha, o Presidente Roosevelt, e o Embaixador Jefferson Caffery). Durante as tratativas, foi sugerido o arrendamento de seis velhos contratorpedeiros (destroyers[1]) da Marinha dos EUA. Para não ferir a suscetibilidade dos vizinhos, o Secretário de Estado Cordell Hull fez ofertas semelhantes aos demais países sul-americanos.


Os brasileiros esperavam dos norte-americanos o apoio militar similar ao fornecido no final do século anterior. O Embaixador Oswaldo Aranha lembrou que o Brasil apoiara os EUA durante a guerra contra a Espanha, cedendo dois dos seus navios que tomaram parte da batalha naval de Santiago de Cuba, rebatizados com nomes norte-americanos.


Contudo, a proposta foi mal recebida por argentinos e uruguaios. O Chile absteve-se de manifestar-se. De uma forma geral, os jornais uruguaios afirmaram que “a oferta visava espalhar a suspeita entre os países sul-americanos e precipitar a corrida armamentista”.[2]


Num sinal de antipatia contra os EUA, que seria intensificada nos anos seguintes, o Governo de Buenos Aires opôs-se francamente ao apoio norte-americano ao Brasil. Um editorial do jornal La Prensa referiu-se à cessão dos navios norte-americanos como um “pretenso controle da vida interna dos países arrendatários pelos Estados Unidos”. Os portenhos preferiam o controle da Inglaterra. No início do ano, fora anunciada pela imprensa a encomenda de sete novos destroyers aos estaleiros ingleses feita pelo governo argentino.[3]


Nos EUA, a influente Liga Feminina Internacional Pró-Paz e Liberdade, ligada ao movimento isolacionista, protestou junto ao Departamento de Estado contra a cooperação oferecida aos brasileiros. O Washington Post solidarizou-se com o manifesto argentino, e a imprensa norte-americana começou a publicar charges ironizando a pretensão brasileira. Por fim, o Governo dos EUA rendeu-se às pressões internas e externas. O empréstimo dos velhos destroyers foi sustado. Entretanto, três anos depois, o Congresso norte-americano não teve pruridos em ceder aos ingleses 50 contratorpedeiros, recebendo em troca o uso de possessões britânicas no Caribe e na costa do Atlântico por 99 anos.


A negativa de Washington ignorou a solidariedade prestada pelos brasileiros quando os EUA entraram em guerra contra a Espanha, trazendo consequências danosas para a relação bilateral. Nos anos seguintes, a continuada recusa norte-americana em armar o Brasil provocou a desconfiança dos militares brasileiros, obstando a concretização da aliança militar entre os dois países.


Em 14 de agosto, a imprensa brasileira informou que o arrendamento dos destroyers fora anniquilado (sic). No dia seguinte, a Presidência da República oficializou o fracasso das negociações, criticando a decisão norte-americana em uma nota oficial:


O Brasil, como é sabido, encontra-se inteiramente desaparelhado para atender às simples exigências de policiamento da sua extensa costa marítima e rios navegáveis, e, da mesma forma, privado de material flutuante destinado ao treinamento da oficialidade e pessoal dos quadros da Marinha de Guerra. [4]


Usando um tom diplomático, Oswaldo Aranha afirmou que “O Brasil saberá esperar”.[5] De fato, o Brasil esperou − até mais do que deveria. Por coincidência, exatos cinco anos depois, o País assistiria − impotente e horrorizado − a maior tragédia naval da sua História. A Nação pagaria um preço elevado pela fragilidade da sua Armada e pela quase total falta de apoio dos seus vizinhos continentais.


Após o ataque à navegação brasileira, argentinos e uruguaios limitaram-se a lamentar o episódio, mas sequer cortaram suas relações diplomáticas com o Eixo. Não foi encontrado registro algum de solidariedade da Liga Feminina Internacional Pró-Paz e Liberdade ao Brasil ou aos familiares dos mais de 600 brasileiros mortos em 15-16 de agosto de 1942.


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[1] Nome de batismo do primeiro contratorpedeiro: o espanhol Destructor

[2] Diário Carioca, RJ,14 Ago 1937.

[3] Cf. Diário Carioca, RJ, edições de 14 Fev 1937 e de 14 Ago 1937.

[4] Diário Carioca, RJ, 15 Ago 1937.

[5] Diário Carioca, RJ,14 Ago 1937.

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